... Então, como eu vou explicar para eles que o meu Aspecto mudou?
Veja bem, isso simplesmente não deveria acontecer.
... Mas, pensando bem, desde quando eu ligo para o que deveria ou não deveria acontecer?
Bom senso?
Louvável, claro. Mas, na prática... veja, eu não faço questão de seguir regras muito rígidas.
E sobre ser misterioso? Hmm... devo admitir: isso pode ser um pouco árido — até para mim.
Ah, espera.
É melhor esclarecer algo antes que isso fique muito estranho.
Se, por acaso, você — estimado leitor — presumiu que eu estou falando diretamente com vossa pessoa... não é o caso. Isso não é um diálogo... real.
Não estou ciente de nenhuma plateia invisível, e definitivamente não sou um personagem numa história reescrita por alguém entediado.
Esse é, simplesmente, o meu jeito costumeiro (imagino que seja... vocês já estão cansados de serem lembrados sobre o meu esquecimento, né?) de refletir sobre algo.
... Ah, espera só mais um pouquinho, por favor — deixe-me terminar aquele texto entre parênteses:
Então não vou ficar explicando, de novo, que muito do que sei sobre mim mesmo é só uma reconstrução fantasiosa com base nos fragmentos oníricos (ou literários) dos quais eu (terceiro "Ariandel") sou constituído.
Ah... 'constituído' talvez seja uma palavra um pouco forte demais...
Já que os pedaços ausentes de mim ainda precisam ser — devidamente — substituídos.
Afinal, embora eu consiga me manter de pé com pura força de vontade... Essa persistência se deve puramente pelo ímpeto.
Se eu não preencher esses espaços vazios em mim, minha convicção simplesmente ira desacelerar gradualmente até eventualmente arruinar para dentro de meu interior...
hum...
Bem.
"Oco", eu acho...
Terminei, e agradeço a espera — retomando de onde paramos:
... Acho que existe um nome para isso... 'diálogo interno direcionado'? Ou apenas 'pensamentos em segunda pessoa'?
Seja como for, o fato é que meus pensamentos tendem a se organizar como se eu estivesse conversando com alguém que não existe de verdade.
E sim, eu sei o que parece.
Como se eu estivesse quebrando a quarta parede e sugerindo que minha vida inteira é uma fanfiction escrita por alguma entidade mística e misteriosa.
Mas não é.
E se fosse...
Bem, eu não teria como saber, teria?
...
Ah, eu esqueci alguma coisa?
Bem...
Se esqueci, não devia ser importante.
***
Conversei com Cássia, que havia acabado de despertar de um cochilo. Relatei como a luta prosseguira sem grandes complicações — ao menos do ponto de vista de meros Dorminhocos enfrentando um Monstro Desperto.
... Isso é, até que um miserável raio decidiu me atingir.
A genuína preocupação daquela adorável garota foi o que realmente conseguiu acalmar meu coração alarmado.
Durante o momento. Aproveitei a oportunidade para exibir a forma de meu Manto e explicar como essas "ilusões" de meu Legado funcionavam: uma extensão da funcionalidade de minha Habilidade de Aspecto; permitindo estruturar a imaginação em objetos tangíveis, ainda que fugaz e mundanos.
Como demonstração, manifestei um banco para nos sentarmos. E, em algum momento, dispersei as camadas de proteção da armadura — mantendo apenas o tecido confortável e elegante.
Quando Sunless e Nephis retornaram de sua pequena conversa privada, anunciei, sem cerimônia, a morte de meu "Outro". Francamente, o sujeito era tão arrogante que não merecia mais do que uma menção casual — como aqueles personagens que surgem cheios de pompa e circunstância, mas desaparecem após poucos capítulos.
Continuei, objetivamente, informando sobre a manifestação da [Manifestação da Alma Lírica] — ela é uma ilusão sim, mas machuca mesmo assim — e categorizei seus efeitos em sub-habilidades:
Lâmina Álgida: Permite aprimorar armas com a geada da alma, conferindo maior nitidez e poder de perfuração;
Obrigação Nobre: Concede resistência notável a danos elementares (sim, resistência elemental passiva; porque traumas existem) e imunidade à própria geada da alma;
Maldição da Geada: A geada causa dano ao contato, afligindo o inimigo com uma maldição que provoca congelamento e deterioração gradual.
Diante dessa súbita 'infodump', meus companheiros reagiram à sua maneira: Nephis, impassível; Cássia, com seu lindo sorriso; e Sunless... cansado demais de 'Ariandel' para uma reação notável.
... Eu e minha amiga logo fomos deixados à companhia um do outro mais uma vez.
O céu era cinzento e desacolhedor.
... Logo, estendi meus pensamentos para o futuro.
Afinal, o efeito borboleta merecia seu respeito.
Nunca subestimem o -insira aqui uma maldição criativa- que um viajante do tempo, vidente ou transmigrado — seja lá o que eu sou — pode causar no Destino.
A Árvore Devoradora de Almas... há como evitar seus perigos?
Não...
Apesar de tudo, a rota mais segura para o oeste ainda passa por aquela direção. Além disso, a linhagem de Weaver é essencial para o desenvolvimento de Sunless. Eu não enfrentarei este mundo sem o apoio do protagonista.
Na visão de Cássia...
os elementos anômalos eram:
névoa ou neblina, frio, rosas de um vermelho escuro e uma espada de cristal sublime — aparentemente, a nova responsável pela queda do Senhor Brilhante.
O que poderia ter alterado a visão?
Eu, é claro.
Não há menção clara de minha presença, mas eu sou o único elemento conhecido capaz de mudar o Destino. Portanto, tudo isso se deve por minha causa.
Infelizmente, o destino de Sunless e Nephis se entregando a um ato íntimo estranho — e armaguroso — ainda permanece...
Bem, em parte, já que a visão foi dividida em duas, e Cássia viu apenas uma delas.
Quanto ao futuro da Corte?
'Song of the Fallen'. A jovem bela e reservada que, no futuro, se tornaria a misteriosa e inquietante bruxa cega... ainda é uma garota doce e gentil sob minha proteção. E, enquanto eu puder interferir — como posso, ela não seguirá aquele destino.
'Changing Star'. Para evitar que ela enfrente uma jornada tormentosa pelo deserto, e seja ainda mais abalada pelo submundo, um sacrifício será inevitável. Talvez Caster ou outro indivíduo de moral duvidosa seja o candidato ideal. Quem sabe eu o congele... e use sua alma como fonte de energia para ativar o Portal.
'Lost From Light' jamais será um escravizado. Não enquanto eu puder evitar... Mesmo que ele ainda não seja "flor que se cheire", sou um visionário — estou confiante de que minha indulgência atual renderá desse sujeito egoísta, mesquinho e traiçoeiro alguém que eu poderei chamar de irmão.
Voltando ao aqui e ao agora, retomei minha conversa com Cássia, apresentando novos assuntos:
Falamos sobre música, romances, esgrima, dança e outros passatempos;
E, também... um pouco sobre o meu Primeiro Pesadelo — ocorrido na mesma delegacia, e no mesmo dia, em que Sunless enfrentou o dele. Além disso, expliquei como acredito que o Feitiço seja justo à sua maneira.
Esse tema nos levou a um momento um pouco mais emotivo...
O que me fez compartilhar sobre o meu entendimento da chamada "sorte" — explicando com ela realmente funcionava. Admiti, ainda, que a minha visão deste mundo desiludido talvez seja um pouco otimista — ou um tanto ingênua.
... Cássia permaneceu pensativa após toda essa conversa.
***
"Aria..."
A menina hesitou, como se pesasse as palavras, antes de finalmente reunir coragem para prosseguir:
"Você também... é órfão?"
A pergunta direta me surpreendeu, mas mantive minha resposta fluente, ainda que cuidadosa:
"Acredito que sim. Essa é a origem mais provável para mim."
Ela franziu levemente o cenho, traços de confusão tornando-a ainda mais tocante.
"Acredita?"
Suspirei, deixando que um fragmento da verdade transparecesse.
"Sim, Cás, acredito... O Despertar deixou lacunas... Não consigo lembrar quem eu era... ou das pessoas que fizeram parte de minha vida."
Após um breve momento, ela falou:
"Se... se quiser, posso ouvir você sempre que precisar falar... Talvez isso ajude."
Sorri, um sorriso carregando de um misto de emoções que eu não sabia nomear.
"Agradeço. Mas não quero sobrecarregar ninguém com uma questão sem soluções."
Ela inclinou levemente a cabeça, um gesto sutil, quase encorajador.
"Bem, Cás..."
Hesitei por um instante antes de prosseguir, enquanto meus dedos deslizavam pelos cabelos.
"Você está curiosa sobre como posso ser... "funcional", mesmo com essa deficiência?"
Seu silêncio expectante foi suficiente para que eu continuasse:
"Vivi sonhos. Sonhos mais reais do que aquilo que deveria ser real... No meu Pesadelo, experimentei várias vidas. Como um sonho que se desfaz ao despertar, os remanescentes dessas vidas formam quem sou agora."
Ela não reagiu de imediato, e o silêncio agradável retornou, preenchendo o espaço entre nós.
"..."
"..."
Então, como se tivesse entendido algo sobre mim, Cássia se levantou e caminhou em minha direção.
Ela se aproximou, sentou-se junto a mim
e...
me abraçou.
A sensação... foi nova e tocante, e eu não sabia exatamente como descrevê-la... mas, de alguma forma... me surpreendeu.
Hesitei...
Não porque quisesse me afastar, mas... porque não era ingênuo o suficiente para não perceber como meu coração reagia à presença dela — nem para não saber aonde aquilo poderia nos levar... em algum momento.
Logo, com um movimento lento e respeitoso, envolvi meus braços em torno de sua cintura fina. Meu coração batia um pouco mais rápido, e um tremor imperceptível percorreu meu corpo.
Cássia apertou levemente seus dedos em meu ombro, e eu deixei minha cabeça repousar suavemente contra a dela.
"..."
"..."
Após um tempo indefinido, "eu só queria que você soubesse que não está sozinho", ela disse, afastando-se um pouco e tocando o cabelo com uma timidez que se refletia no rubor de suas bochechas.
"Agradeço, minha senhorita, pela gentileza tão tocante e delicada", eu respondi, enquanto ria alegre.
A minha resposta saiu meio que sem pensar...