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Chapter 41 - Coração Partido

Ariandel estava sofrendo, atordoado pelo trauma que obtivera em seu Primeiro Pesadelo. Um medo irracional de ter sua percepção da realidade manipulada por algum horror mental.

Ensandecendo devido à mágoa de ser enganado. Temendo estar novamente sozinho e abandonado.

A frieza o estava matando. E o estava fazendo um tanto literalmente...

'Entendo... a [Manifestação da Alma Lírica] está me ferindo...

Ahh...

Eu devo ter desenvolvido a Síndrome de Takotsubo...'

De certo modo, um coração partido já pode muito bem matar aquele que deveria sustentar em circunstâncias mundanas. Quanto mais o coração dele, que é capaz de se dar forma em metáforas tangíveis, não seria capaz de matá-lo sendo deixado sem os devidos cuidados?

'De qualquer forma, eu superestimei minha própria resiliência.'

Na verdade, ele até desejou buscar ajuda quando essa lhe foi oferecida pela Mestre Jet, mas [Prisma Imaculado] o forçou a suportar o sofrimento sozinho... Afinal, suportar tudo sozinho para não incomodar suas pessoas queridas é algo bem fundamental de sua natureza.

Tudo o que ele podia fazer no momento era tentar não ceder à desesperança — acreditar que sua vida ao lado de pessoas que ele conheceu em uma história era real e que elas ainda estavam ao lado dele...

'Eu juro por Deus... que se no final dessa fanfiction, de uma realidade grimdark... eu me ver em uma cama de hospital... após acordar de um longo coma, induzido pelo atropelamento de um caminhão... Eu vou... Eu vou...'

Ariandel aguentou mais um pouco.

... Então, suportou um pouco mais.

Depois, ele perseverou...

Em algum momento, após longos segundos ou tortuosos minutos, a dissociação, de repente, se rompeu.

Ele pôde sentir seus companheiros novamente.

Logo, Ariandel foi guiado do silêncio que envolvia o mundo pelas suas respirações urgentes e trêmulas, fazendo-o soltar um suspiro silencioso de alívio.

Tinha acabado...

Alguns segundos depois — pareceu estar um pouco distante, recuando, mas ainda assim — Ariandel pôde ouvir uma voz fluente soar da neblina:

"Não importa… não importa…"

Com isso, retornaram o farfalhar das folhas e o som das ondas.

E também…

Em algum lugar abaixo deles, o Demônio da Carapaça rugiu e bateu suas foices uma contra a outra. O alto clamor de aço ressoou sob a grande árvore, enviando uma onda quase palpável em todas as direções. Essa onda pareceu expulsar a névoa não natural, criando uma enorme esfera de ar limpo.

No momento seguinte, a ilha inteira tremeu quando o demônio se chocou com o horror desconhecido que se escondia na névoa. Algo se estilhaçou com um trovão ensurdecedor, e o chão tremeu novamente, fazendo os galhos da grande árvore balançarem.

Ariandel, ainda mantendo os olhos fechados, voltou seu rosto na direção do confronto.

'O Nada na névoa será fortalecido pela presença de mais uma pessoa estando aqui, consciente de sua "existência"?'

Ele sorriu com o pensamento.

'Um desenvolvimento razoável... eu diria.'

Ainda atormentado pela sensação hedionda de ter gelo cortante cravado em seu peito, o Artesão da Fantasia forçou os braços lânguidos, segurando-se em seus companheiros, puxando-os para mais perto

Ele ansiava por algum calor.

Assim, segurando um ao outro, eles ouviam os sons da batalha furiosa e aguardavam seu resultado...

***

Um longo tempo depois, a luta entre o Demônio da Carapaça e o convidado das profundezas havia terminado.

O silêncio retornou ao Túmulo Cinzento mais uma vez.

Nephis havia perdido a noção do tempo há muito tempo e se dessensibilizara aos tremores que percorriam a grande árvore cada vez que os dois monstros se chocavam.

A imobilidade repentina a deixou apreensiva, atenta — pronta para a ação.

Ainda assim, ela se assustou quando sentiu Ariandel cuidadosamente se afastar deles. Ela moveu a cabeça em direção a ele e ouviu, tentando discernir o que estava acontecendo.

Ao lado dela, Sunless e Cássia também se moveram. A garota delicada temerosamente entreabriu seus lábios pálidos e, após hesitar por mais um momento, perguntou com urgência ansiosa:

"Aria, o que aconteceu?"

Uma voz agradável a respondeu serenamente:

"O mímico se foi... embora vocês precisem decidir por si mesmos se acreditam ou não nessas palavras."

Nephis hesitou um pouco antes de novamente confiar na voz do Artesão da Fantasia. Ela abriu os olhos e piscou algumas vezes, sua visão voltando ao foco lentamente.

A fraca luz pálida do amanhecer estava se esgueirando ao leste, envolvendo a ilha num crepúsculo tênue. Abaixo deles, a superfície da ilha estava rasgada e virada para cima, quase irreconhecível. Era como se o Túmulo Cinzento tivesse sido atingido por várias rodadas de fogo pesado de artilharia.

Olhando para esse cenário, estava Ariandel com seu arco longo em mãos, envolto na aura branca-acinzentada de sua geada cortante.

Flocos de cristais iridescentes eram levados de sua figura pelo vento e cintilavam suavemente sob a luminosidade que perfurava a copa escarlate e vasta da grande árvore.

Ele ajustou sua postura e preparou o disparo, uma flecha arrepiante se condensava em resposta. Uma melodia calmante soava em meio à tensão da Memória aprimorada.

Na direção em que Ariandel apontava...

'Está vivo.'

O Demônio da Carapaça estava lentamente se arrastando de volta das bordas da ilha, deixando um rastro de sangue azul para trás. Ele estava em péssimo estado, com vários membros faltando e uma teia de rachaduras cobrindo sua carapaça outrora imaculada.

Dois de seus aterrorizantes braços haviam desaparecido, deixando-o apenas com as duas foices, desgastadas. Uma de suas pernas dianteiras e outras quatro pernas traseiras estavam quebradas ou cortadas, forçando o gigante a andar de maneira estranha e instável.

Ele estava gravemente ferido. Mas, mesmo em tal estado, ainda se mantinha obstinadamente vivo. Mais do que isso, nenhuma das placas de armadura cobrindo seus órgãos vitais estava seriamente danificada, sua casca de metal ainda parecia forte e impenetrável.

Sunless apertou os punhos e olhou para Ariandel com um olhar severo de determinação no rosto. Ele perguntou sombriamente:

"Precisamos enfrentá-lo?"

O Artesão da Fantasia forçou a corda do arco longo a se esticar um pouco mais. A imagem do demônio ferido era visível no reflexo dourado de seus olhos místicos, tranquilos e melancólicos.

"Não."

Sangue vermelho-bordo escorreu de suas narinas, antes de ser subjugado pela aura álgida, congelando e despedaçando.

"Já o vejo morto..."

***

O antigo behemoth estava quebrado e cansado. No entanto, apesar das feridas horríveis, seu olhar ainda permanecia firme e cheio de inteligência maligna.

Ainda irradiava loucura e sede de sangue.

Enquanto se forçava de volta para a árvore milagrosa, uma de suas pesadas patas vacilou contra o terreno destroçado, fazendo com que o corpo do monstruoso gigante se inclinasse mais do que suas outras pernas funcionais restantes eram capazes de compensar.

Ele teve que fincar suas duas foices no solo arenoso para suportar o peso de seu corpo. O cavaleiro corrompido elevou seu olhar, seu único olho restante firmou-se na figura grandiosa e magnífica da árvore de ébano e sua encantadora copa vermelho-sangue.

Foi naquele momento que o demônio percebeu algo cintilar sutilmente, refletindo a luz do amanhecer. Sem nem tentar entender direito o que era, a criatura tentou reagir, mas a resplandecência que voava pelo ar foi inexplicavelmente veloz.

Como uma flecha disparada de um arco poderoso, embebida de um poder capaz de lacerar a distância, de subjugar a própria razão que deveria separar a intenção do arqueiro de seu alvo.

O gigante assustador moveu futilmente os cotocos ensanguentados de seus dois braços decepados, falhando em impedir que o gracioso cometa álgido impactasse contra sua carapaça adamantina.

A criatura abriu as mandíbulas em um grito mudo. O projétil a havia perfurado bem onde sua armadura era secretamente mais frágil... sobre o seu coração. De repente, uma sensação entorpecente cortou o peito da monstruosidade, espalhando-se por suas veias, permeando até sua alma profana.

O orgulhoso guardião do Túmulo Cinzento cambaleou.

A luz escarlate em seu único olho queimou sombriamente.

Seu corpo caiu lentamente.

... Levantando a cabeça uma segunda vez, ele lançou um último olhar para a grande árvore.

Então, seu olhar pousou em um de seus galhos, sobre a figura elegante que segurava um arco longo partido em suas mãos.

Não havia fúria nem mais loucura nesse olhar.

No fim, o que o tomou, foi uma emoção estranha, calma e inexplicável.

Era quase como... alívio.

O coração do demônio, nesse momento, se partiu... O eco de seus últimos sentimentos, preservado nos cristais gélidos e diamantinos.

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