Capítulo – A Filha e o Fardo
O silêncio do salão ancestral pesava mais que qualquer palavra dita naquele dia. Kátyra estava ajoelhada diante da laje de cristal onde os nomes dos herdeiros estavam gravados com sangue antigo — cada símbolo, uma linhagem, cada linha, um juramento. Seu nome brilhava em azul vívido, entrelaçado à inscrição de Moira, sua avó, como se o destino das duas tivesse sido selado antes mesmo do nascimento.
O eco da revelação ainda pulsava em suas veias. Ela era mais que princesa. Era a Chave da Harmonia, a única capaz de unir os quatro clãs e restaurar o Véu entre os mundos. Um fardo que nem mesmo sua mãe ousara tocar.
Tharion a observava de longe. Havia algo nele que sempre a desconcertava: o olhar sombrio de um Bardaxa, mas a postura de um Guardião. Metade luz, metade sombra — assim como ela, entre a fúria dos dragões e a brisa dos grifos.
— Você já sabia — ela disse, sem encará-lo.
— Suspeitava. O Clã do Vento sussurra coisas que não chegam aos salões de pedra — respondeu ele, se aproximando com passos contidos. — E os Darxas têm olhos por toda parte.
Kátyra se levantou, o manto de prata ondulando com o movimento. Havia lágrimas nos olhos, mas nenhuma escorria.
— Então por que não me contou? Por que ficou em silêncio enquanto eu era apenas... herdeira de um trono vazio?
Tharion tocou o cabo da espada presa às costas. Um gesto de nervo, não de ameaça.
— Porque queria te ver livre — murmurou. — Por uma vez. Antes que o fardo te marcasse.
Silêncio.
Ela se virou para ele, os olhos como espelhos de tempestade.
— E agora? Ainda me quer livre?
Ele hesitou. E nesse intervalo, houve verdade.
— Agora... só quero que você sobreviva.
Ela sorriu, amarga como neve que derrete em cinzas.
— Eu não fui feita para sobreviver, Tharion. Fui feita para incendiar.
E quando ela saiu do salão, seus passos ecoaram como trovões prestes a cair sobre o mundo.
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