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Capítulo – O Precipício do Inominável
O cheiro das flores negras se espalhava pelos campos, e o céu parecia pesar sobre os ombros de cada um. O grupo avançava em silêncio. Kátyra observava o avanço da praga: as flores de Voltrhuk agora dominavam colinas inteiras, seus tentáculos escuros sugando a vida do solo.
Orren, inquieto, caminhava em silêncio, o olhar fixo em símbolos que riscava no próprio braço com carvão e sangue seco — antigos glifos em aramaico e adâmico, inscrições de proteção que aprendeu escondido com monges rebeldes. Ele murmurava fórmulas baixas, numa tentativa de afastar o medo crescente. Mas em sua mente, flashes:
— Um sussurro vindo de dentro da terra.
— A lembrança de sua irmã, engolida por uma fenda na floresta.
— A mesma sensação de vácuo agora debaixo de seus pés.
Tharion caminhava mais atrás, os passos lentos, a mente embotada por uma ressaca emocional. As lembranças vinham em ondas.
— A voz doce de Titos, pedindo "só mais um doce" no jardim do palácio.
— A risada contagiante ao montar no ombro do avô Dimitry.
— E, como uma lâmina, o momento em que Titos olhou para Kátyra e perguntou:
"É verdade que o meu pai é o monstro?"
Tharion havia engolido o choro. Mas agora, tudo vinha à tona, e ele não conseguia fugir do peso de ter deixado o menino para trás.
O caminho se tornava mais estreito. O solo começava a trincar.
Kátyra gritou:
"Cuidado! O chão—"
Era tarde.
O chão desabou.
Um abismo negro engoliu o grupo. Tudo se tornou queda. Os gritos, abafados pelo vento. Orren tentava segurar Aelys, que escorregava. Kátyra girava no ar, tentando alcançar sua espada caída. Tharion estendeu a mão, mas o mundo era apenas vertigem.
Então, no meio do caos, ele sentiu algo no bolso — a chave de cristal. As palavras de Adam vieram à sua mente:
"A verdade nem sempre se encontra na superfície. Às vezes, é preciso cair para abrir o que está trancado."
Com um grito de raiva e desespero, Tharion retirou a chave e girou-a no ar, como se abrisse uma fechadura invisível.
Uma luz azulada se espalhou. Um portal se abriu no vazio.
O grupo foi sugado para dentro da fenda de luz antes de tocar o fundo do abismo.
Silêncio.
Escuridão.
E então — um som metálico estranho.
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– O Despertar dos Tolos
CLANG
CLANG-CLANG-CLANG!
O som de uma panela batendo contra outra ecoava pelo salão. Kátyra acordou primeiro, sentada entre colunas de cristal e livros em espiral. Orren soltou um gemido baixo. Aelys estava deitada de bruços sobre um tomo de capa roxa.
Tharion abriu um olho, murmurando:
"Se isso for o inferno, esperava algo menos... doméstico."
No centro do salão, um homem magro, de cabelos desalinhados e túnica amassada, batia uma colher de ferro contra uma panela como um maestro insano. Seus olhos brilhavam com intensidade e seu cabelo parecia desafiar qualquer lógica gravitacional.
"Despertar é o segundo maior dom da vida! O primeiro é o silêncio, mas vocês parecem não gostar dele!"
O Erudito.
Assim ele se apresentou — sem nome, sem origem. Apenas O Erudito.
Orren ergueu uma sobrancelha. "Você sempre acorda as visitas com utensílios de cozinha?"
"Não! Às vezes uso um gongo tibetano e um pinguim empalhado. Mas ele está em manutenção."
Ele parou, pensou por três segundos cronometrados com um relógio imaginário, e apontou para a parede.
"Cuidado com os livros da prateleira trinta e quatro. Eles mordem."
Tharion tentou se levantar, mas caiu de joelhos.
"Onde... estamos?"
"Entre o ontem e o talvez. A Biblioteca de Cristal. Ou o que sobrou dela."
O Erudito andava de um lado pro outro, tropeçando em si mesmo e apontando para diagramas espalhados por estantes.
"Voltrhuk está faminto. Ele devora significados. Aquilo que ele toca vira esquecimento. E vocês— vocês trouxeram para cá a única chave que resta."
Ele olhou diretamente para Tharion e apontou teatralmente:
"Você! Cavaleiro da sombra e da culpa. O coração partido é um mapa. Mas só se você souber onde está o norte."
Depois girou nos calcanhares, encarando Orren.
"E você, o escriba ansioso. Seus símbolos têm poder, mas faltam os três que os selam. Se errar um traço, abre-se o inferno. Literalmente."
Sorriu.
"Mas sem pressões."
Kátyra tentava processar a avalanche de informações.
"Você fala em enigmas... mas parece saber mais do que diz."
Ele piscou.
"É claro. Eu sou o enigma."
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