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Crônicas do Último Guardião

AnzaiChorei
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Synopsis
Em um mundo onde os Deuses abandonaram a terra e deixaram apenas fragmentos de seus poderes selados em relíquias sagradas, a ordem dos Guardiões foi criada para proteger o equilíbrio entre o mundo dos homens e as forças místicas esquecidas. Rayn Ardell, um garoto órfão criado na periferia do Reino de Valtheria, leva uma vida comum trabalhando como aprendiz de ferreiro. No entanto, tudo muda quando ele encontra uma relíquia adormecida escondida nas ruínas de uma antiga forja — um anel que fala com ele, afirmando ser a "Vontade do Guardião Primordial". Sem entender como ou por que foi escolhido, Rayn acaba envolvido em uma antiga profecia que o aponta como o possível "Último Guardião", o elo final entre os mundos. Perseguido por seitas ocultas, cavaleiros corrompidos e entidades que devoram memórias, ele parte em uma jornada para descobrir a verdade sobre seu destino, sua origem e o real motivo pelo qual os Deuses desapareceram. Com o sarcasmo do anel, o apoio de aliados improváveis e uma força que ele ainda não compreende, Rayn precisa decidir: aceitar o fardo de um mundo que já perdeu a esperança... ou forjar um novo caminho com as próprias mãos.
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Chapter 1 - Capítulo 1 – A Voz na Forja Esquecida

 O cheiro de ferro queimado era a trilha sonora olfativa da vila de Pedra Baixa. Misturado à fumaça da forja e à brisa seca do entardecer, formava uma espécie de assinatura invisível — algo que grudava na pele, no cabelo, na alma. Rayn Ardell nunca soube o que era viver sem ele.

 Naquela tarde, o céu exibia tons de um vermelho tão profundo que parecia estar sangrando. O martelo descia e subia em ritmo constante, com batidas quase musicais contra o metal incandescente. Rayn mantinha o foco, como sempre fazia, mas havia algo diferente naquele dia. Uma inquietação sem nome que pulsava no peito, sem razão aparente.

— Se eu tive um cobre pra cada premonição idiota que eu já senti — resmungou, afundando a lâmina na água e se afastando um pouco da fornalha. — Já dava pra comprar uma carroça decente.

 Mas o desconforto permanente. Aquilo não era só uma paranóia qualquer. Era... outra coisa.

 O mestre ferreiro, Orlen, não estava por perto — havia saído cedo naquela manhã, dizendo que eu realmente resolveria "assuntos antigos". O que quer que isso signifique. Isso deixou Rayn sozinho com a forja e seus ecos.

Sozinho... até o momento em que escutou.

"A chama... ainda vive..."

 A frase não foi falada. Foi sentida. Como se uma memória alheia tivesse tocado sua mente sem permissão.

 Ele parou no ato, o martelo quase escorregando da mão suada.

— Alô? — Perguntei, como se esperasse encontrar alguém escondido atrás da bigorna.

 Nada respondeu. Nenhum movimento. Nenhum som. Só o estalo preguiçoso da madeira ardendo e o zumbido abafado de insetos do lado de fora.

Mas o arrepio em sua nuca não mentia.

Algo o chamou.

 A parte de trás da forja era um lugar proibido — não oficialmente, mas todo o mundo em Pedra Baixa sabia que ali não se devia mexer. Houve construções sobre ruínas antigas, e durante anos, rumores se espalharam: algumas falaram de runas adormecidas, outras de maldições esquecidas. Orlen nunca falou sobre isso. Apenas dizia: "Não pise lá, Rayn. Tem coisas que devem continuar em silêncio."

 Mas naquela tarde, o silêncio era justamente o que parecia mais suspeito.

Empurrando uma estante com caixas e ferramentas velhas, Rayn revelou uma parede de pedra mais escura que o resto. Tinha rachaduras finas e padrões que se assemelhavam às espirais. Ao tocar uma delas, senti uma vibração tênue percorreu seu dedo, como se tivesse posto a mão em uma corda esticada demais.

A parede cedeu com um estelo baixo, revelando uma abertura escondida. Um cheiro antigo escapou dali — algo entre mofo, óleo e relâmpago.

— Isso é uma ideia péssima — sussurrei para si mesmo, mas já era tarde demais para recuar.

Com uma tocha improvisada na mão, desceu os degraus esculpidos na rocha. Eles levavam a uma sala pequena, circular, com uma única plataforma de pedra no centro. Sobre ela, um anel descansava. Simples, prateado, com um núcleo azul pulsante — como um coração mágico selado em metal.

E então, a voz retornou.

"Você chegou. Finalmente."

Rayn recuou um passo. A tocha quase caiu da mão.

— Eu... eu não sei quem é você. O que é isso?

"Sou o que resta da Vontade do Guardião Primordial. E você... é o herdeiro de sua chama."

—Herdeiro? Deve ter um engano. Eu sou ferreiro. Eu martelo espadas. Eu... eu nem sei lutar.

"A luta não começa com uma lâmina. Começa com uma escolha."

As palavras não vinham com agressividade, mas havia nelas um peso — algo que parecia antigo, muito além da compreensão humana. Rayn não sabia se estava sonhando, enlouquecendo ou os dois ao mesmo tempo. Mas o anel o chamava. Não com palavras. Com... pertencimento.

Ao estender a mão, ele não teve tempo de pensar. O anel se encaixou no seu dedo como se sempre tivesse estado ali. Um calor percorreu seu corpo, e por um segundo tudo ficou branco.

E então, gritos.

Rayn despertou de joelhos no chão da sala. Lá fora, vozes e o som de algo desabando.

— O que diabos foi isso...?

Correu para fora da câmara e quase tropeçou em pedaços de madeira e pedra. Uma parte do telhado da forja havia desmoronado. A runa sob a antiga parede secreta agora brilhava, riscada no chão, viva como fogo líquido.

E bem no centro dela, uma sombra.

Era humanóide, mas sua forma tremulava, como se estivesse sendo moldada por fumaça negra e dentes de vidro.

Rayn congelou.

A criatura deu um passo à frente, e sua presença fez o ar pesar.

— O... que é você?

"A semente. A ruína. O silêncio que se alimenta de chama. E você... é a fagulha."

O instinto de fugir foi forte, mas algo dentro dele segurou suas pernas no chão. O anel brilhou. Sua mão direita queimou com um símbolo azul que surgia na pele como uma tatuagem viva.

E então, sem saber por quê ou como, Rayn parece a mão aberta, e uma parede de luz se formou entre ele e a sombra. A criatura avançou, mas foi repelida com um rugido seco, dissipando-se em fumaça e poeira mágica.

Silêncio outra vez.

E depois, a voz.

"O selo despertou. Eles sentirão. Eles virão."

Rayn respirava com dificuldade, suando, tremendo. Não entendia nada — mas sabia de uma coisa: não era mais apenas um aprendiz de ferreiro.

Quando Orlen retornou horas depois, encontrou Rayn sentado no meio dos escombros, olhos fixos no chão, o anel ainda brilhando em seu dedo.

— O que você fez...? — Disse o mestre, mas sua voz não trazia raiva. Apenas... demissão.

Rayn falou o olhar. Havia medo nele, mas também algo novo. Determinação.

— Você sabia, não sabia? Sobre o que está lá embaixo.

Orlen suspirou, abaixando-se ao lado do garoto.

— Sabia que um dia alguém encontraria. Só não sabia que seria você. E tão cedo.

— O que acontece agora?

O velho olhou para o céu, onde as estrelas começavam a surgir como cicatrizes de luz.

— Agora... você escolhe se vai correr. Ou se vai se tornar o que nasceu pra ser.

Rayn olhou para a própria mão. O símbolo ainda brilhava em azul. E mesmo sem entender nada... ele sabia que não poderia voltar atrás.