Capítulo 4 – O Segundo Degrau: Onde as Sombras Riem
Logo em seguida, uma mensagem do sistema cintilou diante dos olhos de Bryan:
Você deseja avançar para o próximo andar?
Sem hesitar, Bryan clicou em "SIM".
Seu corpo já havia se recuperado. A dor havia cessado. A estamina fora restaurada. Mas havia algo a mais. Um novo tipo de firmeza em seus músculos, como se a carne lembrasse da luta mesmo depois do descanso. Como se, ao aceitar o avanço, não estivesse apenas subindo um andar, mas aceitando uma nova camada de si.
A escadaria não apareceu de imediato. Ela se formou.
As pedras brotaram do solo como se a própria Torre de Nyxar estivesse reconfigurando sua estrutura em resposta à vitória de Bryan. Cada degrau era moldado com estalos secos, como ossos sendo encaixados em uma nova espinha dorsal. No fim do corredor, a escuridão permaneceu intacta, como se o próximo andar ainda ponderasse se deveria aceitá-lo.
Bryan caminhava devagar. Cada passo deixava um traço tênue de sangue seco no chão. Seu corpo já havia parado de doer, mas a alma... ainda latejava. Não com arrependimento. Mas com uma fome silenciosa. Uma inquietação que não vinha de fora, mas de dentro — de um lugar que nem mesmo ele sabia nomear.
A cada degrau, o ambiente mudava.
A luz tornava-se mais pálida. As paredes perderam o aspecto de ruínas e assumiram uma geometria mais orgânica, como se estivessem respirando devagar. Havia veios escuros correndo por entre as pedras, pulsando em tons arroxeados. Como sangue sob a pele da Torre.
Ele não falou. A torre também não. Mas havia algo naquele silêncio que dialogava com ele. Algo que compreendia sua fome, sua solidão, e — pior — parecia admirar.
Bryan parou no último degrau antes da próxima sala.
O ar ali era mais frio. Havia umidade, mas não como a de uma caverna — era como umidade que antecede a tempestade. As paredes estavam cobertas por inscrições distorcidas. Algumas sangravam luz. Outras pulsavam devagar, como corações cansados. E havia risos. Fracos. Quase infantis. Vindos de lugares que não existiam.
Ele encostou a mão na porta. Ela não se abriu.
Mas tremeu.
E isso foi suficiente.
Quando entrou, o mundo mudou novamente.
O segundo andar não era apenas mais difícil. Ele era... íntimo. As sombras nas paredes pareciam reconhecer sua presença. Algumas se afastavam. Outras se aproximavam como cães farejando um cheiro familiar. O chão estava coberto de uma névoa rasteira que subia até os joelhos, fria e viva, como se tivesse vontade própria.
Na distância, algo se arrastava.
Mas Bryan não sacou as lâminas.
Ainda não.
A Torre observava. E Bryan... observava de volta.
A criatura não apareceu como um inimigo comum.
Ela se revelou como um suspiro na névoa, uma oscilação quase imperceptível na temperatura. Um brilho. Uma presença. Não houve rugido, nem corrida, nem garras afiadas. Apenas uma sensação. Algo como ser observado do lado de dentro da própria cabeça.
Bryan franziu o cenho.
Foi então que o mundo ao redor... se desfez.
A névoa engoliu tudo. As paredes da Torre desapareceram. O teto sumiu. Ele não sentia mais o chão sob os pés — apenas o peso da própria mente. A realidade havia sido arrancada, e em seu lugar surgia uma ilusão tão vívida quanto a própria dor.
Ele estava de volta.
Não à Torre.
Mas ao beco. O beco onde tudo começou.
A chuva caía pesada. Seu corpo era menor. Os pés descalços batiam em poças frias. A respiração era ofegante, e a fome apertava como uma faca curva cravada no estômago. Ele viu o contorno do homem que o chutara para longe dos restos de comida. Viu o rato mordendo seu tornozelo. Viu o lixo. Sentiu o cheiro.
Mas isso não era memória.
Era armadilha.
— "Você sente falta, não sente?" — sussurrou uma voz suave, feminina, vinda de todos os cantos. — "Falta de ter algo. Alguém. Pertencer."
Bryan não respondeu. Mas seus olhos se estreitaram.
A imagem mudou.
Agora estava na sala de treinamento da Trindade. Byron à frente. A mesma postura rígida. Mas havia algo diferente em seu rosto. Ele sorria. Sincero. Um sorriso caloroso. Bryan, de aparência mais jovem, ofegava no chão, coberto de hematomas.
— "Bom trabalho, filho. Você está pronto para liderar."
Filho.
Bryan sentiu o impacto da palavra como uma flecha no peito.
Mas sabia. Sabia que não era real. Byron nunca o chamou assim. Nem uma vez. E aquele olhar gentil... jamais existiu.
"Isso é um teste. Um veneno."
Ele tentou se mover, mas o corpo parecia pesado. Como se a própria ilusão drenasse sua força.
A voz sussurrou de novo:
— "Você não deseja ser amado? Desejado? Você nunca teve isso. Nunca tocou um corpo com afeto. Nunca beijou. Nunca sentiu prazer fora da lâmina. Eu posso te dar isso."
A cena mudou mais uma vez.
Bryan estava deitado sobre lençóis de cetim. Havia mãos sobre ele. Um toque suave, gentil. Lágrimas quentes escorriam por seu rosto — não suas, mas de alguém por quem ele era importante.
Ele quase cedeu.
Quase.
Mas então lembrou: ele não tinha lágrimas. Nem lembranças doces. Nem ternura para perder.
Com um grito silencioso, ele cravou as unhas na própria coxa. A dor atravessou a ilusão.
A névoa tremeu.
— "Você... não quer?" — a voz hesitou.
— Eu não desejo o que nunca tive. E não vou ser seduzido por uma mentira.
A dor aumentou. A imagem quebrou em cacos.
Do centro da sala, agora visível, a criatura revelava sua forma real.
Uma figura pálida, andrógina, envolta em mantos de fumaça. Os olhos eram vazios, mas as bocas — dezenas delas, espalhadas pelo corpo — murmuravam desejos, lembranças falsas, promessas impossíveis. Era uma criatura que não atacava com garras, mas com fantasias. Um predador da alma.
[Nome: Ilusionista do Desejo][Nível: 4][Tipo: Entidade Mental][Habilidade: Drenar Energia Vital por Ilusão Sensorial e Emocional]
Bryan sentia suas pernas enfraquecerem. Sua aura oscilava. O mundo parecia girar.
— Você quer me sugar pelo que nunca tive... — murmurou, ofegante. — ...mas eu fui forjado na ausência. Não há desejo em mim. Só propósito.
A criatura avançou, envolta em risos e promessas.
Mas Bryan fechou os olhos. Manteve-se imóvel. O silêncio se expandiu dentro dele. Não havia imagens para explorar, nem emoções para perverter. Sua mente era um vácuo hostil — um espelho sem reflexo.
— "Desista!" — rugiu a entidade, e todas as bocas gritaram ao mesmo tempo.
Ele abriu os olhos.
— Eu sou a fome. Não a vítima dela.
E então atacou.
Como sombra em chamas.
As espadas gêmeas cortaram a névoa ilusória com clareza absoluta. A criatura tentou fugir, mas cada vez que sussurrava uma nova fantasia, Bryan a rebatia com dor real, com disciplina, com uma alma treinada para ignorar o mundo.
Cada golpe era um não àquilo que a criatura oferecia.
Cada estocada era um lembrete de que ele não fora moldado pelo amor — mas pela ausência dele.
Com o golpe final, Bryan atravessou o peito da entidade. A criatura parou. Todas as bocas se calaram. Ela caiu de joelhos. Depois, se desfez em névoa negra.
[DING!]
Você derrotou [Ilusionista do Desejo]+150 XPImunidade Temporária a Ilusões – 5 Minutos
O silêncio voltou.
Desta vez... Bryan o acolheu.
Seu peito subia e descia com esforço. A alma, embora intacta, parecia ter atravessado uma floresta de espinhos. Mas ele não cambaleava. Não duvidava. E agora... não era mais observado.
Era temido.
Bryan caminhou devagar, os olhos semicerrados, absorvendo cada nuance daquele novo ambiente. A névoa parecia mais densa agora, e com ela vinha um zumbido fraco — como moscas zunindo em um campo de cadáveres distantes.
Seus passos não ecoavam. O chão absorvia o som, como se a Torre não quisesse que ele soubesse que ainda existia.
Um novo som.
Arrastado.
Mais pesado que o anterior.
Dessa vez, não era ilusão.
Uma criatura surgiu entre as colunas. Não caminhava — rastejava com os braços, como um animal que havia esquecido como andar sobre as pernas. Tinha o corpo coberto por máscaras partidas, cada uma com expressões diferentes: raiva, medo, prazer, desespero. Seus braços eram longos demais, e a carne parecia puxada por dentro, como se algo estivesse tentando escapar debaixo da pele.
Quando o monstro ergueu a cabeça, Bryan entendeu. Cada máscara era uma alma aprisionada. Uma memória devorada. Um ser que fora consumido por completo.
[Nome: Colecionador de Faces][Nível: 6][Tipo: Deformação Espiritual][Habilidade: Roubo de Identidade e Consumo de Memória]
A criatura soltou um estalo seco com os ossos do pescoço. E então, uma das máscaras se moveu.
Ela falava.
— "...Bryan…"
Era a voz de Byron.
Por um momento, o ar ficou mais pesado. As mãos de Bryan fecharam-se em torno das espadas. Não de raiva. Mas de precaução.
"Ela está tentando assumir formas que não compreende."
Ele não respondeu.
A criatura continuou.
— "Você não tem identidade. É apenas o que nós fizemos de você. Um peão com fome."
Bryan fechou os olhos por um segundo.
E depois avançou.
Rápido.
O Colecionador saltou, espalhando fragmentos espirituais como cacos de vidro em torno da sala. Bryan desviava dos projéteis com movimentos mínimos. A névoa se abria em sua passagem como se temesse tocá-lo. As espadas cortaram o primeiro braço da criatura — nada de sangue, apenas um jorro de vozes.
Gritos de antigos desafortunados.
Bryan girou e cortou novamente, mas o monstro recuou, fundindo-se com as sombras. No instante seguinte, ressurgiu atrás dele com uma nova máscara. A de um menino. Bryan não reconheceu — mas a expressão era sua. Choro. Fraqueza.
— "Você ainda sente falta disso? Daquele dia no beco?"
Bryan estremeceu.
Só um pouco.
Mas foi suficiente para a criatura tocá-lo.
Uma onda negra subiu do chão, envolvendo sua perna. Imagens surgiram — rápidas, distorcidas, como sonhos quebrados. Era ele. Criança. Morrendo de fome. Roubando. Fugindo. Caindo. Chorando.
Tentando ser algo.
— "Você nunca teve nome. Nunca teve rosto. Por isso eu vou tomá-lo."
Bryan fechou os olhos novamente.
— Eu escolhi meu nome, seu verme. E o gravei com sangue.
"Passo Sombrio."
O mundo girou.
Bryan ressurgiu acima do Colecionador, já em queda. As lâminas desceram como guilhotinas duplas. Uma cravou-se no ombro. A outra atravessou parte da espinha. O monstro urrou. As máscaras explodiram em sons de desespero. Ele tentou agarrá-lo, mas Bryan já havia recuado.
Ele não atacava com força.
Ele atacava com quem você foi.
E Bryan... já havia matado isso há muito tempo.
Com uma sequência perfeita, Bryan deslizou pelas costas do inimigo e ativou Lâminas Silenciosas. Os cortes se sobrepuseram, formando um X no torso da entidade. Fragmentos de rosto voaram. Vozes calaram-se.
O monstro cambaleou.
Bryan ativou Rugido do Abismo.
A aura se expandiu, púrpura e ardente. O som que emergiu de sua garganta não era um grito — era a liberação de um vazio contido. O Colecionador estagnou. As máscaras restantes gritaram em pânico. A forma da criatura começou a rachar.
Ele avançou uma última vez.
Com ambas as lâminas, cravou a essência do Asura no centro do monstro.
As máscaras se desfizeram em poeira.
E o corpo... colapsou.
[DING!]
Você derrotou [Colecionador de Faces]+200 XP obtidosImunidade a manipulação espiritual aumentada (passiva aprimorada)
Bryan se ergueu, respirando fundo. A névoa parecia mais rarefeita agora. A sala, mais clara.
Mas à frente... uma nova porta. Imensa. Ornada por marcas mais antigas. Mais perigosas. Como se o que estivesse atrás dela não apenas guardasse o fim do segundo andar — mas punisse quem ousasse atravessá-la.
O salão do boss o esperava.
E desta vez... ele sentia que o tempo dentro da Torre estava mais lento.
Como se o próximo oponente... estivesse esperando por ele.
O cheiro da morte ainda pairava no ar, denso e recente. Fragmentos das entidades derrotadas por Bryan — o Ilusionista do Desejo e o Colecionador de Faces — jaziam espalhados pela sala, como ecos de almas que tentaram corromper o que jamais poderiam compreender.
Bryan estava diante da porta do salão final do segundo andar.
Mas ele não a atravessou.
Seus olhos percorreram os restos das criaturas com um olhar frio. Não por vingança. Não por raiva.
Mas por necessidade.
A Fome o cutucava de dentro. Não era apenas um instinto físico — era uma força espiritual que vibrava em cada célula. Como se o próprio pacto com Aldritch sussurrasse em sua orelha: "Você sabe o que precisa fazer."
Ele se ajoelhou lentamente ao lado do que restava do Colecionador. Fragmentos de máscaras se espalhavam como cacos de espelho. Cada um refletia não o rosto de Bryan, mas o vazio que ocupava seu lugar. E, ainda assim, ali havia energia. Alma residual. Lembrança distorcida de vidas devoradas.
— Não sou diferente de você... — murmurou para o cadáver — ...a única diferença é que eu escolhi me tornar o que sou.
Sem hesitação, tocou o peito afundado da criatura.
"Devorar Essência."
A carne espiritual se dissolveu em luz púrpura, como fumaça líquida sendo sugada para dentro de sua mão. A energia subiu por seus braços, queimando, pulsando. Seus olhos se iluminaram brevemente, e uma onda de calor percorreu sua espinha.
[DING!]
Você consumiu a Essência de [Colecionador de Faces]+150 XP+1 Habilidade absorvida: [Mímese Espiritual - Rank E]FOME INFERNAL: 12% → 4% (Estável)
A segunda vítima o aguardava mais adiante — os resquícios do Ilusionista do Desejo ainda flutuavam em partículas negras, como mariposas mortas flanando ao redor de uma lâmpada prestes a apagar. Bryan caminhou até elas com passos silenciosos.
Havia um magnetismo nas sombras. Um calor traiçoeiro. A ilusão tentava reviver, como uma semente que germinava no pântano da mente. Mas Bryan já era solo infértil para mentiras.
Ajoelhou-se. Estendeu a palma.
"Devorar Essência."
Desta vez, a energia era mais sutil — não explosiva, mas sinuosa. Quente como um segredo contado ao pé do ouvido. Ela se infiltrou nele devagar, como vinho denso, envolvendo sua alma com promessas que ele recusava mesmo enquanto aceitava o poder.
[DING!]
Você consumiu a Essência de [Ilusionista do Desejo]+120 XP+1 Habilidade herdada: [Visão Tentadora - Rank F]FOME INFERNAL: 4% → 1% (Estável)
Por um instante, Bryan ficou em silêncio. As mãos ainda brilhando em tom carmesim, a respiração controlada. O sangue corria mais denso, como se cada nova habilidade herdada carregasse consigo cicatrizes, vozes e memórias que não eram suas.
Mas nada o dominava.
Sua alma era afiada demais para isso.
Ele se levantou. A névoa ao redor se afastava discretamente, como se reconhecesse que algo mais faminto do que ela habitava aquele corpo agora.
Olhando uma última vez para os restos das criaturas derrotadas, Bryan sussurrou:
— Vocês quiseram me quebrar com ilusões e memórias. Mas eu sou feito da ausência delas.
A porta do salão do boss permaneceu ali — imóvel, silenciosa, selada.
Mas agora, ela o aceitava.
Bryan ajustou as lâminas nas costas. O corpo preparado. A mente... vazia. Não de confusão, mas de distrações.
Antes de avançar até o salão do boss final, Bryan parou diante da porta monumental. A sensação que vinha do outro lado era densa, como se o próprio ar pulsasse com expectativas não ditas. E ainda assim, ele não se moveu.
Sua respiração estava controlada. O corpo, equilibrado. Mas algo o puxava para dentro de si mesmo.
Um sussurro interno — quase imperceptível — murmurava: "Conheça suas lâminas antes de brandi-las contra a morte."
Com um gesto simples, ele abriu a janela de habilidades.
O brilho púrpura desenhou-se no ar à sua frente. As letras, como sempre, pareciam vivas. Moviam-se em padrões sutis, pulsando ao ritmo de sua respiração.
======< HABILIDADES ATUAIS >======
Lâminas Silenciosas [Ativa – Rank F]Executa um ataque duplo com precisão cirúrgica. +50% de dano crítico em alvos distraídos, imóveis ou feridos.Duração: InstantâneoRecarga: 10s
Passo Sombrio [Ativa – Rank F]Permite teleporte curto (máx. 5m) para qualquer área em sombra ou ponto cego visível.Duração: InstantâneoRecarga: 8s
Devorar Essência [Ativa – Rank E | Racial – Asura]Absorve energia vital de um inimigo derrotado.Restaura HP/MP. 40% de chance de herdar 1 habilidade.Condições: Inimigo deve estar morto há menos de 5 minutos.Recarga: 60s
Golpe nas Sombras [Passiva – Classe: Assassino]Executa instantaneamente qualquer inimigo com menos de 10% de vida ao atingir um golpe crítico com arma cortante.
Fome Infernal [Passiva – Racial: Asura]Precisa consumir carne ou essência de inimigos vivos a cada 48h.Penalidade: -10% em todos os atributos e deterioração mental progressiva.Status Atual: 1% (Estável)
Rugido do Abismo [Ativa – Rank E | Herdada]Libera um rugido espiritual que atordoa inimigos por 3 segundos e causa pânico em criaturas fracas.Área: 6m ao redor do usuárioRecarga: 45s
Mímese Espiritual [Passiva – Rank E | Herdada]Permite absorver brevemente padrões de comportamento, aura ou forma espiritual de alvos recentemente derrotados.Duração: 30 segundosLimitado a 1 uso a cada combate
Visão Tentadora [Ativa – Rank F | Herdada]Projeta uma ilusão momentânea no campo de visão do inimigo, distraindo por até 2 segundos.Utilidade: Combinação com ataques furtivos ou fugasRecarga: 25s
Bryan ficou em silêncio, analisando cada linha como se fossem runas de uma profecia. Não bastava saber o que cada habilidade fazia. Ele precisava senti-las. Internalizá-las. Entender como combiná-las, como dançar com elas.
Lâminas Silenciosas com Visão Tentadora: uma abertura criada por fração de segundo. Um ataque crítico garantido.
Passo Sombrio combinado com Mímese Espiritual: uma finta perfeita. Confusão no campo de batalha.
Devorar Essência após o boss... não era uma opção. Era inevitável.
Ele fechou a janela.
A luz desapareceu com um sopro.
Fechou os olhos por um instante e murmurou baixinho, mais para si mesmo que para qualquer deus oculto:
— Cada habilidade é uma cicatriz. Cada passo... uma condenação.
Virou-se novamente para a porta.
O som da porta se abrindo não foi de pedra contra pedra, mas de algo mais profundo. Era como se a realidade estivesse sendo rasgada. Um estalo surdo, seguido de um sopro quente — e, então, silêncio. Aquele tipo de silêncio que precede uma tempestade de corpos e gritos.
Bryan cruzou os portões.
O salão era imenso. Muito maior que o anterior. Os pilares que sustentavam o teto se erguiam como colunas de ossos retorcidos. As paredes estavam cobertas por símbolos em constante mutação, como carne viva tentando escrever uma linguagem esquecida. E o chão... o chão estava quente. Latejante. Como se o coração da Torre pulsasse sob seus pés.
No centro do salão, acorrentado por correntes negras que se moviam como serpentes sonolentas, estava o boss.
[NOME: Khravos, o Coração Enfurecido][Nível: 9][Raça: Avatar da Ira Arcana][Tipo: Boss – Degrau Dois]
Bryan não deu um passo. Ainda.
A criatura se ergueu com lentidão, como se não precisasse da pressa dos vivos. Tinha quase três metros de altura, o corpo formado por uma mistura grotesca de armadura arcana rachada e carne pulsante. Os olhos não existiam — havia apenas fendas verticais de onde saíam brasas azuis. Os punhos estavam em chamas, mas não queimavam o ar. Queimavam... o próprio espaço.
O monstro o olhou. E a Torre estremeceu.
Bryan sentiu.
O peso.
A força.
A fúria.
Não era apenas mágica ou violência. Era sentimento puro. Um ressentimento encarnado. A encarnação do que sobra quando tudo é tirado — mas a raiva permanece.
Algo dentro de Bryan estalou.
Aquela fúria... era familiar.
Memórias surgiram. O momento em que Byron enfiou a lâmina em seu peito. O sangue quente. O olhar frio. A certeza de que foi descartado.
Seu punho tremeu.
Mas não de medo.
De raiva.
— "Você quer que eu tema sua ira?" — murmurou. — "Você não faz ideia do que me moldou."
Khravos grunhiu. As correntes se despedaçaram. O chão tremeu. O Boss partiu para cima com velocidade absurda, o punho direito brilhando em espirais arcanas.
Bryan saltou para trás. Um segundo antes do impacto. A parede ao seu lado explodiu em estilhaços de pedra mágica. O calor era real. Quase sólido.
"Passo Sombrio."
Reapareceu na lateral do boss. Ativou Visão Tentadora. Por uma fração de segundo, Khravos hesitou — e Bryan cravou uma das espadas na junta do ombro esquerdo.
Nada.
Nem sangue. Nem dor.
A criatura girou. Bryan usou o próprio movimento para se lançar acima, aterrissando nas costas do inimigo. Com as duas lâminas, ativou Lâminas Silenciosas. Cortes profundos. Faíscas de luz púrpura.
Mas Khravos não era feito de carne. Era feito de ódio.
Um rugido eclodiu, seguido de um pulso mágico. Bryan foi lançado no ar, girando como um pedaço de pano. Bateu no chão com violência. Tossiu sangue. O corpo ardia.
— Tsc... ele não tem pontos fracos visíveis...
O boss avançou novamente. Cada passo fazia o chão vibrar. Bryan rolou para o lado. Jogou três adagas. Uma foi desviada por pura pressão mágica. As outras duas acertaram, mas sumiram em meio ao vapor mágico que envolvia Khravos.
"Não é uma luta de força. É de mente. De precisão. De foco."
A raiva dentro de Bryan borbulhava, mas ele a manteve contida. Fria. Direcionada.
Esperou o próximo ataque.
Khravos ergueu os dois braços. Uma esfera de pura fúria arcana começou a se formar entre as mãos. A pressão era absurda. O salão inteiro tremia.
Bryan correu em direção ao boss.
Sim, para frente.
"Se ele liberar isso... não sobra nada."
Usou Passo Sombrio para atravessar as costas do monstro e reaparecer bem na frente. A lâmina foi direto no centro da esfera incompleta.
CRASH.
A explosão se concentrou.
A onda o jogou para trás, mas o feitiço foi interrompido.
Khravos rugiu. As fendas nos olhos queimaram ainda mais.
Agora... ele estava com raiva.
— Ótimo — Bryan sorriu, ofegante. — Agora estamos equilibrados.
A batalha estava só começando.
Khravos rugiu como se a própria Torre estivesse gritando junto com ele.
Bryan respondeu com a lâmina.
Eles se chocaram no centro do salão como dois cometas condenados. Fúria contra precisão. Magia crua contra técnica afiada. Cada golpe trocado era mais do que aço e carne — era história sendo reescrita em espasmos violentos.
A lâmina de Bryan cortava o ar, desviava de feixes arcanos, raspava em placas da armadura viva de Khravos, abrindo fissuras que brilhavam em azul etéreo. O boss, por sua vez, contra-atacava com investidas brutais, punhos como martelos encantados, que rasgavam o chão e explodiam colunas.
Um, dois, cinco, dez golpes.
Bryan desviava por milímetros. Às vezes nem isso. Uma costela já doía. O ombro esquerdo sangrava. Ele escorava no instinto, na dor, na raiva contida. Cada impacto que recebia parecia reacender o ódio que trazia enterrado desde a vida passada.
E então, por um instante, ambos pararam.
Um encarando o outro, arfando como bestas enjauladas.
As brasas nos olhos de Khravos pulsavam. A aura flamejante ao redor do seu corpo tremulava de forma irregular — não de enfraquecimento, mas de descontrole.
Bryan apertava os punhos, as lâminas gotejando sangue — dele e do boss. Sua respiração era curta, o suor escorria pelas têmporas e a pulsação em seus ouvidos era ensurdecedora. Mas seus olhos... ainda ardiam com foco.
A Torre parecia segurar o fôlego.
Nenhum som.
Nem o som da própria magia.
Bryan pensou, quase sussurrando dentro da própria mente:
"Eu poderia morrer aqui. Não por fraqueza. Mas porque essa criatura... é o reflexo do que eu poderia ter me tornado. Puro ódio. Pura perda."
Khravos se moveu.
Bryan também.
Dessa vez, sem reservas.
Golpes foram trocados com a brutalidade de um duelo final. Lâminas Silenciosas riscaram o torso de Khravos em um X brilhante. Ele respondeu com uma explosão mágica que ergueu o chão sob os pés de Bryan. Os dois foram arremessados para lados opostos do salão.
O ar se encheu de vapor e faíscas.
Bryan se arrastou para levantar. O corpo gritava. A mente lutava para não apagar.
"Não posso parar. Não agora. Ele sente. Ele sabe que estou no limite."
Khravos veio andando lentamente. Cada passo deixava pegadas fumegantes na pedra negra. Havia fissuras no ombro, no abdômen — cortes que Bryan havia deixado. Mas a criatura ainda andava como se não soubesse o que era fraqueza.
Bryan cambaleou.
E então, com o último vestígio de sua vontade, tocou o chão com uma mão trêmula.
— "...não sou feito pra morrer ajoelhado..." — murmurou.
Ele se ergueu.
As pupilas dilatadas.
O instinto em alerta.
O vazio dentro dele... queimava.
"Agora."
E no momento em que Khravos saltou para o ataque final, Bryan ativou o combo que vinha guardando.
Visão Tentadora.O boss hesitou, distraído pela ilusão.
Passo Sombrio.Bryan desapareceu da linha de ataque.
Rugido do Abismo.A aura demoníaca explodiu, paralisando o boss por dois segundos.
Era o bastante.
— "Lâminas Silenciosas." — ele sussurrou como uma sentença.
As duas espadas desceram como julgamento. Um corte no peito. Outro diagonal no ombro.
Khravos rugiu — não de dor, mas de fúria final.
E desabou.
O chão tremeu quando o boss caiu. A aura se dispersou. As runas apagaram-se como brasas molhadas. O silêncio, agora, era real.
[DING!]
Você derrotou [Khravos – Coração Enfurecido]+1800 XP+1 Habilidade herdada: [Pulso da Ira Arcana – Rank D]+7 Pontos de DistribuiçãoFOME INFERNAL: 3%
Bryan caiu de joelhos.
Exausto.
O peito subia e descia com dificuldade. A ponta das lâminas tremia. Mas ele sorria.
Não de alegria.
Mas de sobrevivência.
De desafio aceito.
De sangue vencido por sangue.
O segundo andar estava completo.
O corpo de Khravos jazia imóvel.
Gigante, quebrado, derrotado. Ainda pulsava calor nos músculos recém-dilatados pela magia, e a armadura viva soltava leves vapores azulados enquanto esfriava. As runas que antes brilhavam com arrogância agora estavam apagadas — cicatrizes ocidentais de um ser que já não era nada além de alimento.
Bryan respirava com dificuldade, apoiado sobre um joelho. As lâminas fincadas no chão, o suor misturado ao sangue seco no rosto. O silêncio do salão já não era opressivo. Era respeitoso.
Ele ergueu os olhos lentamente.
Encarou o cadáver.
A Fome pulsou.
Não como impulso irracional — mas como uma lembrança viva da própria existência. A maldição de sua raça. A exigência do pacto. O tributo exigido pela forma que agora vestia como segunda pele.
Ele se levantou.
Sem pressa.
Cada passo até o corpo de Khravos parecia ritualístico. O sangue deixava marcas simétricas no chão. Os olhos âmbar, intensos, não piscavam. Bryan não via mais um inimigo morto.
Via um presente.
Via poder.
Ajoelhou-se ao lado do cadáver. Tocou o peito do boss com a palma da mão direita. A pele estava quente, espessa, como rocha vulcânica coberta de runas murchas. E mesmo assim... ainda havia energia ali.
— Você foi um desafio. — sussurrou, quase com respeito. — Mas agora, servirá a algo maior.
Ele fechou os olhos.
E murmurou:
"Devorar Essência."
O símbolo demoníaco queimou sob sua mão.
E então... o corpo de Khravos começou a tremer.
A carne estalava.
Veios púrpura emergiam, iluminando o corpo da criatura como raízes arcanas se dissolvendo. A aura que antes o oprimia agora fluía diretamente para Bryan. Seus olhos reviraram por um segundo. A garganta se abriu em um rugido silencioso.
A energia entrou nele como uma avalanche.
[DING!]Você consumiu a Essência de [Khravos – Coração Enfurecido]+1000 XP+1 Habilidade herdada: [Pulso da Ira Arcana – Rank D]+5 Atributos aleatórios aumentadosFOME INFERNAL: 3% → 0% (Estável)
O poder queimava por dentro.
Era diferente.
Vor'Gath fora brutal. Os goblins, descartáveis. Os ilusórios, traiçoeiros. Mas Khravos... Khravos era um aspecto. Um avatar da Torre.
E agora, parte dele estava dentro de Bryan.
Ele sentiu isso.
Aumentou-se.
Sua aura oscilou por alguns segundos, ganhando densidade, cor e cheiro. As sombras na sala recuaram. A própria névoa se afastou em um gesto involuntário — quase reverência.
As veias em seus braços brilhavam por dentro da pele, finas linhas de energia latejando com uma luz rubra-azulada.
Quando ele abriu os olhos, a visão era mais nítida. Mais profunda.
Ele não apenas via o salão.
Ele compreendia o salão.
Bryan se ergueu novamente. O corpo firme. A respiração agora calma.
— Você me fez sangrar. Me fez duvidar. Me empurrou até o limite... — murmurou para o cadáver já dissolvido em sombras. — ...e ainda assim, tudo que você conseguiu foi me fortalecer.