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Chapter 41 - Capítulo 41: Ecos do Abismo

A terra ainda vibrava com os resquícios da explosão de energia provocada por Ethan. A poeira mágica pairava no ar como cinzas de um incêndio que mal começara, e o silêncio que seguiu a onda de choque era ensurdecedor. Ao redor deles, o mundo parecia suspenso entre duas realidades — uma moldada pelo livre-arbítrio de Ethan e outra pelo domínio total de Kael.

Kael recuava, o corpo envolto por fissuras de energia negra, como rachaduras em uma máscara que ameaçava cair a qualquer momento. Seu semblante, outrora impassível, agora estava deformado por uma fúria quase divina.

— Você ousa me desafiar, garoto? — ele rosnou, os olhos brilhando como brasas. — Mesmo com esse poder instável, você acha que pode me deter? Eu carrego o legado de eras, a vontade de mundos inteiros. Você... você é só um fragmento de caos tentando parecer ordem.

Ethan não respondeu de imediato. Seu peito arfava, não de cansaço físico, mas do esforço de conter as forças contraditórias dentro de si. O Elo Duplo pulsava em seu interior como um coração prestes a explodir. Era um poder que não queria ser domado. Ele gritava. Chorava. Queria liberdade — e destruição.

— Não quero te deter com poder bruto, Kael. Quero fazer o que você nunca tentou: entender. — disse Ethan, enfim. — Entender o porquê de tudo isso. O porquê de haver Elos. O porquê de termos sido escolhidos. Você se perdeu no poder, mas eu ainda posso encontrar um caminho. E mesmo que ele me leve à perdição... será o meu caminho.

Kael ergueu a mão, e o céu escureceu. Uma fissura se abriu no firmamento, como se ele tivesse rasgado a própria realidade com os dedos. De dentro dela, chovia um tipo de energia densa, líquida e opressiva — energia do Vazio, o que restava entre os mundos.

— Então você escolheu o caminho da tolice. Perfeito. — Kael rosnou. — Vou te mostrar o verdadeiro significado do abismo.

Ele avançou.

Em um piscar de olhos, Ethan foi lançado para trás, como se tivesse sido atingido por uma muralha invisível. Ele caiu, rolando por metros, abrindo sulcos no solo enquanto lutava para manter a consciência. Cada golpe de Kael era como uma marreta na alma, e ele sabia que não poderia aguentar muito mais se não encontrasse uma forma de estabilizar o Elo Duplo.

Ireth apareceu ao seu lado no momento seguinte, envolvendo-o em um escudo etéreo feito de luz prateada. Sua presença era como um farol em meio à escuridão crescente.

— Você está em desequilíbrio, Ethan. Está tentando controlar duas forças opostas sem fundi-las. — Ela colocou uma mão sobre o peito dele, e um brilho suave emergiu da palma. — O Elo da Criação e o Elo da Ruína não são inimigos. São irmãos. Um não existe sem o outro. Se tentar usar apenas um de cada vez, eles vão te destruir. Mas se os aceitar como partes de um mesmo todo... poderá reescrever o destino.

Ethan ofegou, sentindo a energia se estabilizar levemente. A luz do Elo da Criação e a escuridão do Elo da Ruína começaram a se fundir em espirais, dançando ao redor de seu corpo como se tivessem sido libertas de suas correntes. Pela primeira vez, ele percebeu o potencial do Elo Duplo não como uma arma, mas como um elo verdadeiro entre todas as coisas: começo e fim, vida e morte, ordem e caos.

Kael rugiu do alto do campo de batalha, agora transformado em uma cratera colossal. Em sua fúria, ele invocou o que restava de sua conexão com o Elo Primordial — um fragmento do Núcleo da Origem, a essência que antecedia todos os outros Elos. Era um poder proibido, uma fagulha do que os próprios Deuses haviam selado eras atrás.

— Você acha que é o primeiro a tentar resistir? — gritou Kael, sua voz reverberando pelos céus como trovões. — Milhares tentaram. Todos falharam. Porque no final, Ethan, o livre-arbítrio é uma ilusão. O Elo Primordial consome tudo. Até mesmo o tempo. Até mesmo a vontade.

Ele arremessou o fragmento contra Ethan como uma lança de energia primordial. O espaço se rasgou atrás do projétil, criando um rastro de destruição absoluta. Ireth tentou levantar uma barreira, mas sabia que não seria o bastante.

E então Ethan fez o impensável.

Ele correu em direção ao ataque.

Com os braços abertos, ele acolheu o fragmento como se fosse uma parte perdida de si mesmo. E, no instante em que o fragmento tocou sua pele, o tempo parou.

Literalmente.

Tudo congelou. O vento, as partículas de poeira, até os batimentos do coração do mundo cessaram.

Ethan se viu em um espaço completamente branco, onde nem mesmo a gravidade existia. À sua frente, uma entidade o aguardava. Era como olhar para um espelho que refletia não sua imagem, mas todas as suas versões possíveis. A Entidade do Elo Primordial.

— Você ousou tocar o que não deveria existir. — disse a voz da entidade, ecoando de todas as direções. — Por quê?

Ethan pensou por um momento. Depois falou com firmeza.

— Porque quero quebrar o ciclo. Se todos falharam tentando controlar você, talvez o segredo esteja em não controlar. Mas em aceitar. Em entender. Eu não quero ser seu mestre. Nem seu servo. Quero ser... parte do que você representa. E encontrar o que existe além.

Houve um longo silêncio.

Então a entidade sorriu.

— Então veja, Ethan. Veja com meus olhos. Sinta com minha essência. Entenda o que significa carregar o fardo do primórdio.

Ethan foi inundado por visões — galáxias nascendo e morrendo, civilizações florescendo e caindo em um piscar de olhos. Viu versões de si mesmo falhando, vencendo, desaparecendo. Sentiu o desespero e a esperança de mundos esquecidos. E, no centro de tudo, uma constante: a dualidade. Nada existia sozinho. Tudo era espelho de outra coisa.

Quando Ethan voltou, um segundo havia se passado no mundo real.

Mas ele não era mais o mesmo.

Sua aura agora emanava luz e trevas em igual medida. Os olhos brilhavam com o dourado da criação e o roxo profundo da ruína. Quando ele se levantou, mesmo Kael hesitou.

Ethan ergueu a mão, e as próprias correntes do espaço-tempo se dobraram ao seu gesto. Com um simples toque no chão, restaurou parte da terra devastada. Ao mesmo tempo, conjurou sombras ao redor de Kael, obrigando-o a recuar.

— Agora eu entendo. — disse Ethan, com a voz ecoando em múltiplas camadas, como se falasse com a voz de muitos. — O Elo Duplo não é um dom. É uma escolha. E eu escolho reescrever o destino, não para dominá-lo... mas para libertar os outros dele.

Kael deu um passo atrás. Pela primeira vez, parecia... assustado.

Mas mesmo assim, sorriu.

— Então venha, libertador. Mostre se pode destruir um deus.

O campo de batalha rugiu.

O confronto final estava prestes a começar.

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