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Chapter 39 - Segunda Parte do Plano

Sunless, Nephis, Ariandel e Cássia sentaram-se no galho da grande árvore, à espera de o sol se pôr.

O galho era largo o suficiente para acomodar o dobro de pessoas, então, eles não estavam preocupados em ser vistos do chão. Mesmo assim, eles permaneceram em silêncio e imóveis, cautelosos com o monstro gigante que às vezes aparecia sob o esconderijo.

O som de seus passos enviava arrepios pelos corpos tensos dos quatro Dorminhocos.

Nunca, desde que chegaram à Costa Esquecida, Sunless esperou que a noite chegasse mais rápido. Mas sempre há uma primeira vez para tudo.

Eles só poderiam prosseguir com a próxima etapa do plano após a escuridão cair, então não havia nada a fazer agora além de esperar.

... Sentado de costas para Nephis, Sunless olhou de lado para o casal de mãos dadas... muito agradável aos olhos. Era como ver um peregrino simpático e seu belo anjo, ou uma princesa recatada e seu elegante cavalheiro...

'Nosso destino (escolha), hein...' recordou Sunless.

Um gosto amargo preencheu sua garganta. Afinal, o 'destino' não lhe agradava nem um pouco.

Apesar da ambiguidade descontraída de Ariandel e seu senso de humor fora de contexto, Sunny sabia que seu amigo bizarro era um tanto obcecado pelo 'genuíno' e, portanto, havia verdade por trás até da declaração mais casual...

O entendimento de que, na 'verdade', eles não eram nada mais do que marionetes sendo orientadas por uma vasta e intrincada tapeçaria celestial, provocava uma revolta ensandecida ao Escravo das Sombras.

Sunny olhou para os céus escurecidos, mal visíveis através da espessa copa da coroa da grande árvore, e ouviu o barulho do mar que se elevava... No crepúsculo sombrio, o pensamento repentino de apertar gentilmente a mão de Nephis, que estava ao lado da dele, fez Sunless se tensionar dolorosamente.

'Idiota. O que eu sou, uma criança? Segurar as mãos não vai resolver nada...

Argh...

Droga! Ariandel nasceu só para me fazer sentir um fracasso?'

Mas, apesar desses pensamentos resmungões, Sunless relutantemente percebeu já se sentia um pouco menos nervoso... sem coerência alguma.

Talvez eles fossem conseguir; de um jeito ou de outro. Se essa é a 'escolha' deles, quem poderá impedi-los?

Logo, a noite desceu, afogando o mundo na escuridão absoluta.

***

O Túmulo Cinzento havia se tornado uma ilha no vazio negro e ondulante do mar escuro.

Os galhos da grande árvore balançavam suavemente na escuridão, suas vibrantes folhas escarlates agora indistinguíveis da superfície de obsidiana da madeira. As folhas sussurravam e farfalhavam, criando uma melodia calmante no murmúrio ameaçador das ondas crescentes.

Sunless suspirou, sabendo que o momento da verdade estava se aproximando... Logo, sentiu a sombra de Ariandel se mover — ele virou a cabeça e olhou em sua direção.

... Havia uma certa melancolia oculta no fundo de seus olhos místicos.

Hoje, Sunless conseguia ver nele — novamente — o mesmo jovem desnutrido e sonhador da periferia, que deveria ter morrido em seu Primeiro Pesadelo, mas que sobreviveu contra todas as possibilidades... assim como ele.

Embora Artesão da Fantasia não pudesse ver nada na escuridão absoluta do Vazio Sem Estrelas, ele sabia que Sunless perceberia seu olhar encorajador.

Sunless fechou os olhos — inalou profundamente — depois os abriu e exalou lentamente.

"Vamos começar."

Nephis se moveu cuidadosamente para o lado, executando um conjunto ensaiado de movimentos. Criando espaço para eles fazerem o que precisava ser feito. Sunless colocou suavemente a mochila de algas entre ele e Nephis, então a abriu.

Seus movimentos eram lentos e cautelosos.

Dentro da mochila, dois grandes recipientes de argila estavam cercados por várias camadas de fibra macia de algas.

Esses jarros foram feitos pelo entusiasmado 'Insigne Artesão' e, como tal, eram particularmente resistentes — ainda que todo o seu conhecimento sobre cerâmica viesse dos desabafos do Professor Julius sobre a importância da argila no desenvolvimento da civilização humana.

Afinal, um Nome Verdadeiro possui poder, um poder real e tangível.

Dentro dos jarros, todo o óleo que eles haviam extraído dos monstros centopeia espirrou, fazendo o coração de Sunless bater irregularmente.

Um monstro centopeia tinha dois sacos em seu corpo, cada um contendo uma substância oleosa diferente. Quando misturadas, essas substâncias produziam um óleo incrivelmente corrosivo e mortal que poderia corroer a carapaça de um carcaceiro em segundos.

Também era altamente inflamável.

Os jarros continham os dois componentes do óleo da centopeia. Se eles se quebrassem durante a corrida até a grande árvore, permitindo que os componentes se misturassem… bem, havia um bom motivo para a mochila ter sido confiada a Nephis, mesmo que ela já tivesse a responsabilidade de liderar a escalada.

O óleo da centopeia era a peça central do plano.

Colocando os jarros de argila no galho, Sunless tirou mais uma coisa da mochila. Era uma tocha desnecessariamente bem feita, de osso e… sim, mais algas. Tradicionalmente, as tochas deveriam ser feitas de madeira, mas na Costa Esquecida, ossos e algas eram muito mais facilmente encontrados do que qualquer outra coisa.

Na escuridão, ele encontrou a mão fria de Nephis, pegou-a na sua própria e, em seguida, colocou a tocha em sua palma aberta. Sunless teve que lutar um pouco contra a vontade de segurar a mão dela por mais tempo do que seria necessário.

Ele respirou fundo.

"Estou pronto."

Nephis assentiu e então se levantou.

De pé, ela segurou a tocha e fechou os olhos, como se estivesse orando. Vestida com uma túnica branca, com seu cabelo prateado dançando ao vento, ela parecia um anjo puro, lindo e solene.

Logo, um brilho branco se acendeu sob suas pálpebras. No momento seguinte, um fogo brilhante irrompeu de suas mãos, acendendo o topo da tocha. Estrela da Mudança abriu os olhos, extinguindo a luz que brilhava neles, e levantou a tocha bem acima de sua cabeça.

No mundo sem luz, essa pequena chama parecia uma estrela solitária se afogando no mar de escuridão.

Simultaneamente, Sunless se aproximou da borda do galho, inspirou profundamente… e gritou a plenos pulmões.

"EI, SEU COVARDE! VENHA ME PEGAR!"

Então, o caos se instalou.

***

Atraído pela súbita explosão de luz e pelos gritos beligerantes de Sunless, o Demônio da Carapaça apareceu do nada em uma tempestade de fúria.

Suas pernas imponentes rasgaram a areia cinzenta, jogando nuvens dela no ar. Dois olhos escarlates imediatamente arderam no humano gritando, enviando um arrepio nervoso pelas pernas de Sunless.

"É isso mesmo, bem aqui, seu monte de sucata! Vem pegar, lagosta gorda! Esta é a minha ilha agora!" ele gritou, fingindo não estar intimidado.

O demônio correu em sua direção. Esse colosso era tão alto quanto uma casa, mas ainda não alto o suficiente para alcançar os galhos da grande árvore com suas foices.

Sunless estava seguro.

Por enquanto.

Afinal,

ele tinha quase certeza de que isso não duraria muito tempo, ainda que fosse o suficiente para dar seguimento ao plano.

Se ele não errasse...

Justo quando o Demônio Carapaça estava prestes a chegar bem debaixo do galho em que Sunless estava, ele respirou fundo, mirou e jogou os jarros na monstruosidade furiosa.

A criatura reagiu com a velocidade de um relâmpago, cortando ambos os jarros em pedaços com suas assustadoras foices. No entanto, não adiantou: os líquidos oleosos contidos no interior ainda choveram sobre a carapaça em um torrente, seguidos por uma dispersão de cacos de argila.

Na verdade, isso apenas aumentou a área de impacto, permitindo que os líquidos oleosos cobrissem a maior parte da superfície da carapaça metálica do cavaleiro corrompido.

Os dois componentes se misturaram, produzindo a substancia corrosiva mortal, que então queimou a armadura lustrosa.

Sunless prendeu a respiração.

… No entanto, o óleo dos centípedes, capaz de destruir a quitina inquebrável tanto dos carcaceiros quanto dos centuriões, revelou-se completamente ineficaz contra a estranha liga que cobria o corpo do Demônio da Carapaça.

Não deixou nem mesmo um arranhão nele.

O rosto de Sunless escureceu.

'Isso é...'

Nephis apareceu silenciosamente ao seu lado, levantando um braço.

'... exatamente como o esperado.'

Felizmente, para começar, eles não esperavam muito das propriedades corrosivas do óleo. 

Eles precisavam dele por seu outro uso.

O de queimar.

Guiada pelos sons altos produzidos pelo monstro enorme, Nephis se moveu e jogou a tocha para baixo com um poderoso balanço de seu braço. Girando, a tocha riscou o ar como um meteoro e pousou bem no meio da carapaça do demônio.

… No segundo seguinte, a criatura gigante foi envolvida em chamas.

Eles também não esperavam que o fogo pudesse danificar o demônio — afinal, se nem mesmos uma chuva de relâmpagos podia feri-lo, quanto mais meras chamas ou muito mais.

Mas agora, coberto pelo óleo em chamas, o Demônio da Carapaça brilhava intensamente na noite escura como o breu do Vazio Sem Estrelas.

Ele se transformou em um farol flamejante, chamando todos os monstros do amaldiçoado mar escuro para rastejar de suas profundezas profanas.

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