O silêncio entre Ethan e Kairo pesava como aço.
Maerlyn e Althar permaneceram à distância, observando com atenção contida. O ar entre os dois jovens parecia prestes a se romper a qualquer instante.
Ethan deu um passo à frente, os olhos semicerrados.
— Você veio da Terra? Como eu?
Kairo assentiu com um sorriso que beirava a arrogância.
— Sim. E, como você, também fui jogado neste mundo. A diferença é que eu sabia o que viria. Fui treinado para isso.
— Por quem?
— Por aqueles que viram o Elo Primordial despertar antes do tempo. Que sabiam que um dia o Elo Duplo surgiria, e com ele… alguém como você. Alguém que poderia destruir tudo.
Ethan fechou os punhos.
— Você veio para me matar?
— Não ainda. — Kairo respondeu, sem hesitar. — Antes disso, quero entender se há algo em você que ainda possa ser salvo. Porque se o Elo Duplo tomar completamente o controle… então não restará nada além de desolação.
A marca em Ethan brilhou, sutilmente.
Kairo notou. Seus olhos prateados se fixaram ali.
— Já começou, né? As memórias. As visões. A sensação de que você não é só você.
— Você fala como se soubesse o que isso significa.
— Eu sei. Porque eu carrego o Elo Gêmeo.
Um silêncio cortante se instalou.
Kairo estendeu o braço — e sob sua pele, uma marca diferente se revelou: duas linhas paralelas, negras como carvão, que serpenteavam como veias encantadas.
— O Elo Gêmeo foi criado para equilibrar o Elo Duplo. Somos dois lados de uma moeda maldita.
— E o que isso significa? Que estamos destinados a nos matar?
Kairo sorriu — mas seus olhos não tinham humor.
— Não. Significa que, quando o Elo Primordial despertar, só um de nós pode ser o recipiente final. E o outro… será o sacrifício.
Mais tarde, no interior da torre dos Vigilantes, Althar reuniu o conselho reduzido. Antigos magos, andarilhos e um dos últimos remanescentes da linhagem dos Guardiões. Todos haviam sentido a ruptura energética causada pela presença de Kairo.
— Não é coincidência. Dois Elos despertos, na mesma era. O equilíbrio foi quebrado. — disse um dos conselheiros.
— Ethan e Kairo não são inimigos naturais — são componentes de um ritual maior. Algo que começou muito antes do nascimento deles. — acrescentou outro.
Althar observava, calado, até que uma presença rompeu o círculo: a figura encapuzada de Ireth, a mulher que comandava as teias ocultas da Vigília nas sombras.
— Vocês estão todos cegos. — ela disse. — Enquanto debatem sobre equilíbrio e destino, o Elo Primordial já começou a interferir nas linhas do tempo. Há lugares em que o tempo parou. Em outros, eventos estão se repetindo em ciclos viciosos.
— E o que sugere? — perguntou Althar.
Ireth se virou lentamente.
— Que deixem Ethan e Kairo lutarem. E que o vencedor seja selado… com ou sem alma.
Naquela noite, Ethan encarou Kairo pela primeira vez como igual.
Ambos estavam sentados à margem de um lago escuro, cercados por árvores que sussurravam na brisa.
— Você sente falta de lá? — Ethan perguntou, de repente.
— Da Terra? — Kairo deu de ombros. — Às vezes. Mas meu lugar sempre foi aqui. Fui treinado desde os sete anos pra isso.
— Treinado por quem?
— Por um fragmento de consciência do Elo Gêmeo. Um ser que habita o espaço entre mundos. Ele me mostrou tudo o que você ainda vai descobrir. Os segredos do vazio. Os nomes verdadeiros das coisas. O que existe além da morte.
Ethan ficou em silêncio.
— E você? Sente falta de quem era? — Kairo retribuiu a pergunta.
Ethan sorriu, mas era um sorriso triste.
— Às vezes me pergunto se ainda sou o mesmo. Se ainda sou alguém. Ou só um recipiente, esperando se quebrar.
Kairo se levantou.
— Você ainda tem escolha. Mas não por muito tempo. Se eu sentir que você perdeu o controle… não vou hesitar.
— Nem eu. — Ethan respondeu, com firmeza.
Por um instante, os dois se encararam. Nenhum moveu um músculo. Mas naquela troca de olhares, um pacto silencioso foi selado.
Ou sobrevivem juntos.
Ou apenas um sairá vivo da guerra que se aproxima.
Enquanto isso, nos confins da Terra Cinzenta, Kael despertava novamente. A energia em volta de sua prisão vibrava em um tom novo.
— O catalisador encontrou o reflexo… — ele murmurou. — As peças estão se movendo. O fim… começa.
E sua risada ecoou pelas pedras, rachando o chão com o eco de uma era esquecida.